Chá e Ovos de Páscoa

Semana passada provei algo pela primeira vez: chá.

É claro que minha mãe tentava curar todas as minhas gripes de criança com chá de alho, me acalmar com chá de camomila e mais tarde, curar minhas ressacas com chá de boldo. Nenhum chá de verdade, todos infusões. Chá só tem esse nome se for feito de Camelia Sinenses. Todo o resto é infusão: camomila, boldo, carqueja, hortelã, melissa, capim santo, e também o infame chá de alho.

É claro que minha querida Vovó Ruth, que tomava chá preto todas as noites acompanhado de torradas bem escurinhas, já tinha me apresentado à bebida. E eu, todas as vezes que viajava, trazia para ela caixinhas de chá daquela famosa marca inglesa que hoje, em tempos pós-Collor, podem ser encontradas em qualquer supermercado.

Não vamos aqui abordar os chás (infusões) ilícitos. Até porque estes não são degustados com propósitos gastronômicos.

Mas confesso, nunca tive arroubos de tomar uma xícara de chá. Algumas vezes, no sítio, corto folhas fresquinhas do meu capim-limão trazido de Melbourne e preparo uma infusão. E isso é tudo.

Com a fama emagrecedora do chá verde largamente propagada pela mídia (e depois, do chá branco e do chá vermelho -porque afinal a indústria da dieta precisa renovar constantemente seus combustíveis), lá fui eu, eterna gorducha, tentar mais esse milagre. Comprei logo 3 caixas. Não passei do segundo saquinho. Achei amargo, metálico, ruim. Tentei os prontos, em embalagem tetra-pack. Piorou. Além de metálico, tinham gosto residual pronunciado de adoçante.

Tudo mudou no último dia 23. E o bule antiguinho da Vovó que guardei por razões afetivas vai voltar à ativa.

Carla Saueressig, proprietária da loja Tee Gschwendner (pode chamar de “A Loja do Chá” pra não travar a língua logo na primeira sílaba) foi ministrar uma palestra sobre o tema para minha turma do curso de Alta Gastronomia da FAAP.

Carla é uma gaúcha de voz firme, olhar muito expressivo e humor inteligente. Afirmo sem medo de errar que Carla é a pessoa que mais entende de chá no Brasil. E é muito generosa com seu conhecimento.

Enquanto contava sobre os processos de cultivo e fabricação dessa bebida milenar, entremeando a narrativa com casos divertidos e lendas saborosas, fez correr pela classe uma deliciosa degustação.

O welcome drink, elaborado com chá aromatizado de frutas vermelhas e hibiscos e completado com espumante, fui harmonizado com um croissant feito com Lapsang Souchong (chá defumado que teve sua origem nos tempos imperiais da China) recheado com peito de peru. O contraste do frutado do drink com a fumaça amanteigada do sanduíche brincou com o paladar, fazendo com que após uma mordida você quizesse mais um gole e após um gole, mais uma mordida, e após um mordida...

Depois, um inusitado macaroon de castanha-do-pará recheado com ganache de chocolate branco e matchá, o tal do chá verde japonês, que neste caso perde suas propriedades emagrecedoras(!?). Para harmonizar, chá verde aromatizado com morangos e baunilha. Admito, me apaixonei perdida e desavergonhadamente por esse chá. Foi uma revelação, uma epifania. Tomei uma xícara, depois outra e ainda uma terceira. Mas peraí! Eu não gosto de chá!!! Pois é. Eu nunca tinha tomado uma chá bom de verdade. Feito, como dizem os sempre sábios franceses, comme il faut. O aroma adocicado engana o cérebro e quando a boca espera um doce, recebe um bouquet com notas florais e frescas, extremamente leve. Inesquecível.

Finalizando a degustação, um brigadeiro com chá earl grey (chá preto preferido dos ingleses e que leva óleo de bergamota). A escolta foi feita por um chá preto com pedacinhos de cacau. Essa que poderia ser classificada como a combinação mais clássica da noite, também foi surpreendente: em algum ponto da minha língua eu sentia gosto de café e de caramelo.

Para encerrar com chave de ouro e fazer minhas papilas gustativas enlouquecerem, fizemos uma prova controlada de 10 variedades, indo do branco ao preto. Olha, vou te falar, viu? Essas meninas aqui da minha boca estão ficando impossíveis! Sabidas, foram gostar logo do chá mais caro da prova! Felizmente quem comanda a carteira são meus neurônios que, a essa altura ligadíssimos depois de tanto chá, trataram de esquecer rapidinho o nome do tal néctar.

Aí tá, né. Dormi feliz mas com a cabecinha maquinando as coisas que poderia fazer com esse ingrediente tão cheio de possibilidades... Conclusão: fui ontem mesmo visitar a loja da Carla no shopping Iguatemi.

Não vou me alongar na descrição do lugar que parece casa de boneca e cheira melhor que colo de mãe senão esse post não acaba nunca e a ideia é que você vá lá pessoalmente pra conhecer e se deliciar.

Vou contar do ovo de páscoa que a Carla serviu pra nós. Foi o primeiro e certamente será o melhor que comerei nesta Páscoa. Fabricado pela L'Univers de Chocolat, é feito com chocolate belga, chá preto Lapsang Souchong e recheado com o caramelo mais “puxa” do universo (sem trocadilhos).



Você tem noção do que é um chocolate com chá defumado e caramelo puxa? Não, você não tem. Se tivesse não estaria aqui lendo, estaria comendo seu ovo divino. Eu só estou escrevendo porque já comi o que trouxe pra casa e estou, apesar da tremedeira, tentando me controlar pra não comer mais um.

Faço aqui um apelo público aos deuses do chá: por favor permitam que o chocolate com Lapsang não se restrinja à sazonalidade dos ovos de páscoa! Queremos essa iguaria no dia das mães, dos namorados, dos pais, no dia das crianças, de Cosme e Damião, no dia do índio, no dia da árvore...

Vai lá:
Tee  Gschwendner
Shopping Iguatemi
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 2232 – São Paulo – SP
55 11 3816.5359‎

ET – Aproveitei a visita e comprei 5 variedades de chá. Este fim de semana faço testes. Tô pensando numa compota de maçã defumada. Depois conto.

5 comentários:

  1. Fiquei intrigadíssima Ana, porque eu também não gosto de chá. Sempre associei chá à remédio e nunca tomei gosto pela coisa. Depois desse relato delicioso, definitivamente irei conhacer a Loja do Chá.

    Beijo.

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  2. Ra, tenho certeza que vc não vai se arrepender!

    Bjs

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  3. Mariana Pedrosa1/4/10

    Adorei Ana! Já decidi qual vai ser meu ovo de páscoa este ano! Será que tem pra vender na loja do Iguatemi?
    Enquanto isso eu estava presa no aeroporto Santos Dumond morrendo de raiva... grrrrr

    Lindo post... bem vinda ao mundo dos "teaholics"!
    bjos Mari

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  4. Rubens1/4/10

    Aninha,
    Advinha em que loja fomos no domingo, no Iguatemi.
    Já providenciei uma carga de valiosos e edonísticos sabores para os próximos dias.
    Adorei seu post. Sabor, textura e cheiros estão nas suas palavras.
    Beijos
    Rubens

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  5. Ana,
    Adorei o post!
    Adoro chá e não resisti a leitura assim que passei os olhos no título, na home.
    É assim... Chá é sempre associado a remédio e nunca ao prazer. Mas incrível, ao provar uma boa xícara, como o encantamento vai muito além da saúde.
    Se o chá não estiver saboroso, é porque ou foi mal concebido ou não é de boa qualidade. A bebida é uma delícia e cheia de nuances, sabores e aromas. Deve ser cada vez mais divulgada e valorizada assim como você fez escrevendo esse texto, contando seu encontro com o chá.

    Beijo grande!

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