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Onde comer em Lima, Peru - Astrid y Gastón Casa Moreyra

Senta que lá vem estória e o post é longo...

Eu adoro menus degustação.

Como bem disse minha amiga querida Luciana Betenson, gêmea de aniversário, companheira de quarto nessa viagem para o Peru, talentosa escritora do blog Rosmarino e Outros Temperos, com quem já compartilhei outras degustações:


"Como as crianças gostam da Disney World, eu gosto de degustações."


Esse formato de refeição tem um propósito que vai muito além de simplesmente alimentar. Eles contam histórias, proporcionam experiências únicas, revelam ingredientes desconhecidos e raros e, via de regra, é onde o chef mostra sua face mais autoral.

Estando em Lima, tínhamos duas opções renomadas para escolher: o Central do chef Virgílio Martinez e o Astrid y Gastón de Gastón Acurio. Ambos revezando-se na posição de melhor restaurante da América Latina segundo o ranking da revista inglesa Restaurant Magazine.

Escolhemos o AyG, ocupante da 18ª posição no ranking mundial da mesma publicação, por motivos de: as amigas que já haviam comido nos dois estabelecimentos gostaram mais deste.

Foto: Astrid y Gastón

Após 20 anos fixado no mesmo endereço, Gastón Acurio mudou seu principal e mais aclamado restaurante para novo local: a Casa Moreyra.

O prédio, declarado Monumento Histórico em 1972, tem suas raízes na própria fundação de Lima. Vale a pena saber mais sobre ele aqui.

A propriedade conta com o restaurante propriamente dito, um espaço exclusivo para eventos, uma grande e diversificada horta e um enorme pátio onde acontecem atividades educativas e culturais abertas à população em geral.

Foto: Astrid y Gastón
Sob a batuta do chef Diego Muñoz, os pratos do menu degustação saem de uma cozinha exclusiva para este fim. 

A sala onde fomos acomodadas contava com três mesas, um pé direito altíssimo e quase nada mais. O ambiente pode até ser adjetivado como impessoal mas justifica-se: busca-se aqui foco total na comida que será servida, sem distrações. Nem me lembro de ter sequer ouvido música ambiente antes do final da pantagruélica noite.

Sentamos 6 numa mesa e 4 na outra. A terceira mesa foi ocupada pelos chefs Thiago e Felipe Castanho, gênios da cozinha amazônica sobre quem já falei aqui e em breve contarei mais. A feliz coincidência se deu por conta da efervescência de chefs latinos que tomava conta da cidade por causa da entrega do prêmio que mencionei acima, o Latin America's 50 Best. Os irmãos Castanho estrearam na lista com seu restaurante Remanso do Bosque em 34º lugar. Esperem uma escalada rápida ao topo dessa lista. Thiago faz a melhor cozinha brasileira que já provei e jovem como é, o talento demonstrado até o momento é apenas a ponta do iceberg.

Vamos logo ao que interessa! A Comida!!!

O menu, chamado de "Memorias de Mi Tierra" começa com o drink "Brindemos como naqueles tempos", feito a base de guinda de Huaura, uma espécie de uva andina, acompanhado por um pequeno sanduíche.

A degustação é dividida em temas ou etapas. A primeira delas chamada de "guloseimas na saída da escola", busca exatamente essa memória: gordices que as crianças comiam na saída do colégio.

Chega à mesa uma lata vermelha e branca, linda de morrer (sou fa-ná-ti-ca por latas e latinhas, coleciono inclusive), e dentro dela diversas "guloseimas": sorvete de lúcuma com chocolate e castanhas, camotitos (batata doce e pele de frango), galletas (bolachas de lagostins e amendoim). 

Representando os barcos pesqueiros que se avistava no litoral, pequenos e crocantes canudos de massa muito fina para serem recheados com um saboroso creme de iogurte com limão, morango, manjericão e pimenta rocoto. Por fim, mini merengues recheados de azeitonas e anchova. Na minha humilde opinião, uma bola fora.

Eu adoro a mistura de doce com salgado. Mas neste caso, o salgado não foi suficiente para criar um contraste agradável ou minimamente interessante. Como disse a amiga que compartilhava a mesa, faltou coragem. Coragem de carregar a mão na azeitona e na anchova o suficiente para surpreender.


A etapa seguinte tem o nome de "memórias do lar", onde o menino se recorda do jardim de nêsperas na primavera, da insistência de sua mãe dizendo que bucho e pé também é comida de criança e dos conselhos da avó em forma de plátanos fritos.

Essas memórias traduziram-se em um intragável suco de nêspera servido num cubo de gelo (foi o único prato que não consegui comer), um crocante de pé de leitão e um finíssimo, etéreo e delicioso crepe de grão de bico com aspargos brancos e caviar.


Chamado de "um verão na praia", o primeiro prato que realmente emocionou era uma raspadinha composta de gelo vegetal, xaropes, frutas e ervas da própria horta do restaurante. As texturas e sabores revelando-se aos poucos, a acidez muito equilibrada, uma nota de beterraba, um picante de rabanete... Divino!


A etapa "produtos que se vão" trouxe alento. Resgatando produtos quase esquecidos pelos peruanos, lâminas de palta (uma espécie de abacate) com gergelim branco, cebola chinesa e limão confitado. Aqui um gringo consegue reconhecer os sabores tipicamente locais, com a untuosidade da palta perfeitamente equilibrada pela acidez do limão e o torrado do gergelim.

Outro favorito foi o "ceviche" de maçã Delícia (espécie em desuso) com leite de tigre de rocoto e ovas de ouriço. Teve gente na minha mesa que não gostou, mas eu vi genialidade aqui. A maçã Delícia é bem ácida e o corte em fita parece amplificar essa sensação, as ovas são salgadas e cremosas e o leite de tigre... ah, o leite de tigre... sublime!

Por fim, um caldo picante de moluscos bivalves com uma falsa macha de pacae, almeja rosada do Pacífico que já não existe mais...



Chegamos às "receitas que se vão" e elas lembram um tempo em que peixeiros passavam nas casas gritando "Pescado! Pescado fresco!". E recebemos em um lindo prato de pedra que lembra um almofariz as caudas e essência de camarão banhados num caldo de cebolas caramelizadas.

Repetindo as cebolas, o prato seguinte traz também um azeite de escabeche defumado com tomates e pimenta.

E aí aquele menino que a essa altura já é um adulto, sente saudade de casa. A etapa "voltar à casa" apresenta o prato "homenagem a um purê de batata amarela com ovo frito". E finalmente tivemos uma unanimidade. A foto deveria prescindir de palavras mas não resisto, tenho que descrever o que você está vendo: creme de batatas Chaulina, caldo de polvo com tomate e porcini, ovos de codorna, pó de tomate e espinafre. Traduzindo: uma bomba atômica de umami! Uma das melhores coisas que já comi na vida! Só agradeço esse menino por querer voltar pra casa!!

As "nostalgias regionais" pretendem representar um pouco de enorme riqueza gastronômica regional do Peru que assim como no Brasil, apresenta muitas variações por conta da diversidade geográfica de suas regiões.

Mais um na minha lista de favoritos, o prato que leva língua de boi e batatas nativas só pecou pelo tamanho minúsculo. Foram 2 pedacinhos da melhor língua do mundo, cortada em allumette. Comeria mais uns vinte =)

Depois um lombo de coelho muito saboroso e seguindo, um peito de boi com caldo de costela que perdeu um pouco da harmonia por conta das sementes germinadas que, na minha opinião, não ornaram com o sabor da carne.

As primeiras sobremesas chegam mais uma vez pelas memórias do menino que recorda suas travessuras em "travessuras de menino". Plátano de la Isla com caramelo de especiarias e pisco, queijo Paria, rúcula e pimenta do reino. Bomba de romã (com uma nostálgica pitada de popping candy, aquele açúcar que explode na boca). Morango banhado em leite condensado e coberto de confeitos dourados (levou o prêmio vergonha alheia da noite). O mais saboroso foi uma homenagem aos típicos arroz con leche e mazamorra morada: canudo de massa bem fina recheado de arroz doce e xarope de milho roxo.

O menino (que a essa altura já tinha conquistado a implicância de todas nós) chega com sua "doce memória" em mais dois pratos. Blanquillos (damasco de casca e polpa brancas) cozido com camomila, biscoito de amêndoas e gelado de noz de blanquillo.

Depois, a sobremesa que causou o maior acesso de riso dos últimos tempos, o King Kong. O king kong é um docinho super típico, encontrado em todo lugar. É um biscoito recheado com creme e geleia de fruta. O motivo do acesso de riso ainda não sei ao certo. Bebida não foi com certeza. Optamos pela harmonização (maridaje) sugerida pela casa e apesar da grande variedade de bebidas, nenhuma taça foi servida com mais de um dedo (na horizontal). Talvez tenha sido o fato de já estarmos há mais de 4 horas ouvindo as estórias do niño. A verdade é que, ao ver o algodão doce acinzentado pensei (e verbalizei) imediatamente naquelas bolas de pelo que os gatos cospem. Alguém disse que essa "areia" preta lembrava diarréia de pombo. Aí não teve jeito... Foram cinco minutos rindo a ponto de perder o fôlego.



Ainda teve o "sabor perdido": um chocolatinho com amendoim (meia boca) e uma cocadinha (gostosa) e eu já nem tinha mais ânimo pra fotografar.

Mas a refeição terminou com uma deliciosa e providencial surpresa: o emoliente. O emoliente é uma bebida bem típica, de consistência levemente gelatinosa, consumida como digestivo. A versão servida era composta de duas fases, uma quente e a outra gelada. Muito, muito gostoso e acho mesmo que ajudou na digestão.

Na foto você vê Juan, nosso atendente da noite que com seu entusiasmo tornou menos enfadonhas as quase 5 horas que ficamos por lá.

Você (se chegou até aqui) deve estar se perguntando quanto custou essa brincadeira. US$ 250 com a harmonização de bebidas.

Se pensar em termos globais, é até um valor bem razoável. Mas eu não acho que valeu. Eu achei que sobrou ego e faltou comida de verdade. Preferiria que tivesse metade dos 27 pratos servidos mas que as porções fossem um pouco maiores. Muitos pratos foram desnecessários. A impressão final que ficou foi exatamente essa: excesso de ego, o que é quase uma redundância.

O lugar é belíssimo, as louças são maravilhosas, o atendimento do Juan foi impecável e cheio de energia (já o sommelier espanhol sofre do mesmo mal do chef: muito ego).

Eu até pretendo voltar. Para experimentar o à la carte. O menu degustação eu não recomendo. Muito menos com a harmonização. Mas teve gente que gostou. Se você não precisar escolher entre o AyG e o Central, sugiro que vá aos dois e tire suas próprias conclusões. Aproveite e mande besos ao niño! :)

Vai lá:

Astrid y Gastón - Casa Moreyra
Av. Paz Soldán, 290
San Isidro - Lima
+511 442.2775
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Onde comer em Lima, Peru - La Picantería

Dez mulheres juntas no Peru. Pode isso dar certo? Foi a pergunta que me fiz repetidas vezes nos meses que antecederam essa viagem.

O bom de criar expectativas negativas é que a probabilidade de surpreender-se positivamente aumenta bastante!! ;-)

A viagem deu tão certo, a companhia foi tão maravilhosa, foi tudo tão bacana que já estamos programando nossa próxima excursão gastronômica!

Importante salientar, a razão da nossa viagem era apenas essa: comer! E começamos com o pé direito!


O La Picantería fica no popular bairro de Surquillo, a duas quadras do mercado mais famoso de Lima e bem próximo de um enorme centro de artesanato peruano.

Tradicionalmente, as picanterías eram algo semelhante às tabernas francesas do séc. XVIII, servindo caldos restauradores em mesas comunitárias para trabalhadores e viajantes.

As picanterías nascerem na região de Arequipa e receberam essa denominação por conta dos caldos picantes (há!) que serviam. Com o tempo foram desaparecendo ou modernizando-se, abandonando a atmosfera caseira e rústica que caracterizava os primeiros estabelecimentos. E é exatamente esse clima despojado e original que o La Picantería busca resgatar.

O ambiente é simples e encantador. Um hall de entrada com mesas pequenas, um bar com muitas opções da onipresente chicha de jora (fermentado feito com milho, em processo semelhante ao da cerveja) e o indefectível equipamento usado para ralar gelo pra fazer raspadinha.

O salão propriamente dito tem grandes mesas comunitárias, teto coberto de esteiras de palha e bandeirolas e cardápio escrito em lousas.

Começamos com uma rodada de pisco com rosas e eu, que gosto de ser do contra, pedi um com cítricos. A cancha (ou canchita), também onipresente nas mesas peruanas, é o tira-gosto feito com milho frito, sal e pimenta e foi colocado na mesa assim que sentamos. Raramente esse mimo é cobrado.

A casa serve carnes e peixes. Optamos pelo segundo mas confesso que quero muito provar o pato "do nosso rancho" numa próxima visita. Os peixes são vendidos por quilo e tivemos que aguardar cerca de 10 minutos pela chegada do peixeiro para escolher o nosso. Mais fresco só se ainda estivesse vivo.

Uma dificuldade que você pode encontrar se não estiver familiarizado com os pratos típicos peruanos, é entender o que eles são de fato. É claro que dá pra saber que lechón é leitão e ossobuco é ossobuco mesmo. Mas duvido que você saiba o que é um "seco de ossobuco". Ou um "chupe". Não se preocupe. O serviço, apesar de um pouco apressado, é muito atencioso e explica tudinho.

Escolhemos dois peixes inteiros e nossa atendente sugeriu os preparos: ceviche e tiradito para um e frito na parrilla para outro.

É a cozinha como deve ser: o melhor e mais fresco ingrediente com o mínimo de interferência do cozinheiro. O sabor é inigualável, tá dando água na boca só de escrever sobre ele aqui...

De sobremesa fui de chupete de lúcuma, fruta típica peruana. O mais bacana é que a atendente traz a caixa de isopor até a mesa para você escolher seu chupete, que nada mais é que um sacolé (como chamamos o suco congelado em saquinhos plásticos aqui em Sampa).

Um detalhe lindo que me deixou ainda mais apaixonada pelo lugar foi a pia do banheiro: um tacho de ferro de época sobre uma base cheia de lenha que remete a um braseiro, como os que haviam nas cozinhas abertas das antigas picanterías e uma janela como espelho... Muito amor!!

Vai lá:

Francisco Moreno 388
esquina com Gonzales Prada
Surquillo
de terça a domingo
das 11hs às 17hs

P.S. Mais importante que o número da rua é saber qual o cruzamento. Nenhum taxista tem GPS, mas essa é uma outra estória...

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Cozinha Bossa Nova: Melodia no Prato

Duas semanas de ansiedade, contando os dias pra chegar. Dois jovens talentos da gastronomia cozinhando juntos. Raphael Despirite recebe Rodrigo Oliveira no Marcel para o primeiro jantar do projeto Cozinha Bossa Nova.

Para contar sobre este encontro, me juntei com a Camila (colega de FAAP, amiga querida e blogueira do Gourmet Update or Die, onde eu também colaboro), para unir nossas impressões e expressar o que experimentamos e sentimos no jantar do dia 27 de abril. Sem pretensões (nenhumazinhas) de sermos críticas, ou algo parecido, somente pelo prazer de descrever um daqueles jantares que vão ficar na memória por um bom tempo.

Nossa mesa, além de ser a maior do salão, certamente era uma das mais divertidas: 7 pessoas, 6 mulheres e um único homem, lindo, loiro e de voz macia, bem no meio da típica tagarelice feminina. Uma mesa improvável. Nenhum dos 7 conhecia todos os outros 6, mas todos ali estavam unidos pela paixão gastronômica, loucos pra saber como seria a união da cozinha francesa contemporânea do Raphael com a reinvenção da cozinha de sertão do Rodrigo.

E é feita a esperada pergunta: “podemos começar?”. O sim é quase em uníssono. Contaremos juntas o que foi servido:

Foie gras com uvas geladas e marinadas na cachaça de baunilha


Ana: Chega uma louça linda, parecendo uma cadeira Egg¹, desfilando o foie gras com uvas geladas e marinadas na cachaça de baunilha. A produção costuma fazer parte dos menus degustação do Marcel, mas Raphael confessa que “roubou” a cachaça do Rodrigo, que faz a infusão no Mocotó. O foie gras pra mim é como um beijo. De língua. Aqueles beijos bem bons, que você não quer que acabe nunca. As uvas quase congeladas, com o fundinho de cachaça abaunilhada, arredondando tudo.

Camila: O foie gras combinado com a aquela preparação da uva foi como apresentar um par perfeito, você passa a achar que é assim uma das melhores formas de degustar ambos. E pensando da forma do beijo, para mim foi mais como o primeiro beijo, sabor desconhecido, provado de pouco em pouco, até ficar com vontade de mais.

A: Os contrastes são perfeitos: temperatura, textura, sabores. Fiquei querendo mais e pensando que seria difícil algum outro prato do menu alcançar tamanha harmonia. Estava enganada.

Vieiras frescas com praliné de amendoim e farofa de coco e caju


A: Eu sou louca por vieiras e sempre lembro com saudades do meu tempo na Austrália, onde vieiras são servidas até na pizza. Coisa mais comum do mundo. Bem, aqui elas estavam cobertas por uma telha de mandioca, fina como papel e com sabor nostálgico de mandiopã²! Preciso confessar que amo mandiopã e me encantei com essa versão gourmet. O praliné de amendoim é uma delícia, com sabor torrado bem marcante. Só achei que faltou uma nota de acidez porque as vieiras tão delicadas foram um pouco sobrepujadas por tamanha personalidade do amendoim.

C: Muito saboroso, mesmo, mas sem duvida o sabor do amendoim chamou bastante atenção. Mesmo assim, estava tão bom, que cometi o “pecado” (é pecado?) de raspar o prato com o dedo. Sou contra desperdícios.

A essa altura, todos mais soltos e relaxados, muitos rostos conhecidos a nossa volta e o volume do vozerio um tom mais alto com o vinho cumprindo seu papel social. Algumas confidências feitas baixinho e a alma já preparada pra receber o próximo prato.

Pargo com emulsão do peixe, palmito pupunha e folhas de jambu


C: Meu prato favorito da noite. Foi juntar na boca o pargo com a emulsão delicada (mas marcante) do peixe, com palmito pupunha e folhas de jambu. Senti todos se combinarem perfeitamente, e convenhamos, não é sempre que isso acontece. Simples e maravilhoso assim.

A: Tenho convicção que esse pargo foi capturado em mares celestiais. Não é possível que exista algo tão etéreo neste nosso planeta. Sabe um prato que rouba sua capacidade de expressar emoções? Pois esse pargo me deixou catatônica. E não foi por conta das folhas de jambu que Raphael cultiva com dedicação na pequena horta do restaurante. Ok, jambu é uma experiência mágica por si só, parece carregado de eletricidade, provocando um certo “barato” na boca. Os tomatinhos confitados que guarneciam o prato também me pareceram importantes na composição, super doces e muito frescos. Apostaria que são orgânicos, tamanha a concentração de sabor. Ainda tinha a emulsão do peixe, uma espécie de pil-pil³, tão leve, tão bem feita. Mas o pargo ainda me deixa muda. E olha que pra me deixar muda...

O jantar poderia acabar aqui e já teria sido perfeito.Porém havia outras delícias por vir.

Escondidinho de galinha d'angola e requeijão do norte 


A: O escondidinho chegou numa louça de borda florida, pra avisar que estamos entrando no sertão cheio de poesia do Rodrigo. Quem já foi ao Mocotó sabe que os escondidinhos do Rodrigo parecem soufflés, com suas crostas douradas. Já tentei várias vezes fazer igual, não tenho competência pra tanto. O creme dessa vez era bem denso, por conta do requeijão do norte, o toque de cominho também característico dos escondidinhos do Rodrigo e a galinha d'angola que apresentava uma delicadeza, um “je ne sais quoi”... Casamento perfeito Paris-Pernambuco.

C: Sempre me sinto suspeita ao falar sobre escondidinhos porque sou fã deles. Do buteco ao restaurante mais bacana, para mim o prato é sinônimo de confort food. Sem dúvida um desses eu nunca tinha comido. Pra mim escondidinho é escondidinho, raramente me decepcionam (claro, se todos pudessem ser molhadinhos por dentro que nem este estava e levar também um pouco requeijão do norte, eu ficaria bastante feliz).

Carne de sol com baião-de-dois cremoso e maxixe marinado


A: Apresentação super caprichada, a carne fatiada bem fina, chegou à mesa um pouco fria. Já comi essa carne diversas vezes no Mocotó, todas mais saborosas e suculentas. Pra compensar, um baião-de-dois sensacional, quase um risoto, com o feijão de corda crocante e um bem medido toque de coentro. Divino. O maxixe estava também delicioso, trazendo refrescância e leveza ao prato.

C: Adorei o prato, mas mais porque eu nunca havia comido o maxixe e porque não havia experimentado baião-de-dois tão cremoso quanto este. A carne em si chegou um pouco fria, e descobri que prefiro ela desfiada. Enfim, impressões à parte, o conjunto do prato estava sem dúvida muito gostoso.

Como em todo bom menu degustação francês, temos agora o prato de queijos. O raro, cobiçado e magnífico queijo da Serra da Canastra e o conhecido queijo de coalho tostado.


A: Ficaria só com o primeiro. Queijo de coalho tostado tem que ser comido imediatamente, sob pena de ficar um tantinho borrachudo. Soube que rolou um outro queijinho especial, curado pelo próprio Raphael. Mas este não tivemos a oportunidade de experimentar...

C: Sim, reivindicação declarada. E não posso deixar de citar os vinhos responsáveis pela bela harmonização da noite: Viña Cobos Felino Chardonnay 2008, Old Vines Luccarelli Primitivo Di Manduria 2006 (San Marzano) e Catena Cabernet Sauvignon 2007 (Catena Zapata). O Old Vines eu não posso esquecer de tomar novamente, foi muito apreciado!

Com os olhinhos revirando de tanta felicidade, lá vinha o gran finale: as sobremesas!

Falso fios de ovos


C: Eu não conhecia essa sobremesa mágica. A manga no máximo da sua cremosidade, me lembrou muito o sorbet que comi na Roberta Sudbrack.

A: Manga congelada e ralada no microplane(4). Docinho, refrescante e lindo!

Cartola(5) com sorvete de rapadura


A: Mas que cartola, viu? Podia bem acompanhar um fraque de tão boa que estava! E o sorvete de rapadura já é um clássico do Rodrigo. Pena que não vende em potinhos.

C: Igual eu elegi um melhor prato salgado, esse sem duvida foi o melhor doce, mas o melhor doce que eu comi no ano, isso sim. Um dos melhores sorvetes que já comi na vida, se isso é relevante. Você fica perguntando se não tem mais de onde veio, maravilhoso!

O arremate de um ótimo espresso na companhia de um chocolatinho Valrhona.

Todo esse desfile de delícias escoltado pelo ótimo serviço da casa e pela gentileza inigualável do chef anfitrião, que passou várias vezes na nossa mesa, mostrou a horta e contou um pouco dos planos para seu próximo empreendimento.

E como toda grande experiência gastronômica deve ser, essa estreitou laços e gerou alguns novos, tudo permeado por suspiros provocados por uma refeição arrebatadora.

Sobre os novos encontros, sabemos que acontecerão uma vez por mês, convidados sempre por Raphael. Assim que soubermos do próximo avisamos por aqui, e claro, fica a dica para seguir o @cozinhabossa no Twitter.

Viva a Cozinha Bossa Nova!

Marcel
Rua da Consolação, 3555, Jardins, São Paulo. Tel.: (11)3064.3089.
Mocotó
Av. Nossa Senhora do Loreto, 1100, Vila Medeiros, São Paulo. Tel.: (11)2951.3056

PS – O jantar foi tão bom, mas tão bom que eu, são-paulina fervorosa, fiz o impensado sacrifício de torcer pelo arquirrival “curintia”, time de coração do Rapheal que no dia seguinte enfrentaria o Flamengo pela taça Libertadores (aquela que nós tricolores conquistamos três vezes). O resultado do jogo é conhecido, mas eu não tenho nada a ver com isso... =P

1 – Poltrona desenhada por Arne Jacobsen em 1958 para o hotel Radisson SAS em Copenhagen.

2 – Mandiopã é um salgadinho feito a base de fécula de mandioca, fabricado no Brasil desde 1954. É um alimento rico em amido. As pequenas e duras rodelas esbranquiçadas se transformam em petisco leve e crocante, e deve ser frito antes de consumido. Fez muito sucesso nas décadas de 1980 e 1990, quando as pessoas ainda não tinham se tornado obsessivas em relação à taxa de colesterol no sangue.

3 – Molho típico da culinária basca, feito com o azeite onde o peixe foi cozido (confitado) e batido até emulsionar. O agente emulsificante são as proteínas do peixe.

4 – Marca americana de raladores muito afiados porém mais seguros que os convencionais graças ao cuidado com o formato e material dos cabos.

5 - Tradicional receita nordestina, originada, segundo dizem, de Picuí, no interior da Paraíba. Feita com banana frita na manteiga, coberta com queijo de coalho e canela em pó.
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Onde Comer em Buenos Aires

Dizem que a prova de fogo para algo que comemos é sermos capazes de lembrar seu sabor tempos depois da degustação.

Tenho algumas memórias gustativas incríveis, como o biscoito que servia de base para os docinhos em forma de joaninha de um aniversário que minha mãe fez pra mim ou a sopa de tartaruga pescada pelo meu pai quando eu tinha uns 8 anos e nenhuma consciência ecológica.

Bem, os pratos que descrevo a seguir encaixam-se perfeitamente no critério inesquecíveis. Já faz algum tempinho que estive em Buenos Aires pra assistir o mega master blaster duKCT, show do Depeche Mode. E os sabores que provei por lá continuam povoando o palato da minha memória.

Sábado de manhã, friozinho leve, céu azul, rumamos para San Telmo onde fica o Café San Juan, dica da Alê Blanco do blog Comidinhas.

O ambiente é bem descontraído e o atendimento é ótimo. Tem um clima de bistrô mas a cozinha é de inspiração espanhola. Não tem cardápio. O garçom traz a lousa com as opções do dia até sua mesa.

 

Começamos com uma seleção de tapas pra acompanhar a Stella Artois de garrafa grande:


Patê de Coelho com Geléia de Cerejas: foi o meu preferido, textura macia, sabor marcante, geléia com doçura na medida e pão rústico crocante. (Foto: Renata Prazeres)

 

Patê de Salmon com Chutney de Tomates: o patê em si estava muito bom mas achei que não combinou com o chutney de tomates que estava doce demais e carregado na semente de coentro. (Foto: Renata Prazeres)


Terrine de Pato Confit com Figos, Pistaches e Rabanetes em Conserva: Divino. Uma combinação que não tem como dar errado. Repare no detalhe da crèpine envolvendo a terrine! Coisa bem feita, viu? (Foto Cris Gusmão)

Depois de muito beber e beliscar, escolhemos nossos pratos principais:

 

Eu escolhi um magret com laranjinhas kinkan, passas e uma espécie de rabanada salgada que absorvia todo o molho delicioso do pato, que por sinal estava perfeitamente rosado no seu interior, como deve ser.(Foto Renata Prazeres)


Carol, que pela primeira vez na vida comeu coelho (e não gosta de confessar, mas gostou) optou por um prato mais convecional. Pelo menos foi isso que me passou na cabeça antes que o salmão com legumes chegasse à mesa. Legumes grelhados e cozidos al dente, cobertos por um pesto de ervas, salpicado de pinoles e o peixe com sabor e texturas incríveis, quase um salmão selvagem. (Foto Renata Prazeres)

 

Rê e Cris escolheram o coelho com polenta. Era uma espécie de ragú com molho espesso e cheio de sabor. Sobre a polenta nem preciso falar, né? Tá na cara que tava mais que perfeita. (Foto Renata Prazeres)

O almoço foi tão lauto que não sobrou espaço pra sobremesa. Na próxima oportunidade, começo pelo final! =D

Detalhe importante: custou menos de R$ 50 por cabeça!

Depois de um fim de tarde passeando pelas ótimas e famosas livrarias da cidade, banhão revigorante no Hotel Cuatro Reyes (ótima localização, preço excelente) e casa da Silvia pro esquenta do showzaço. Uma garrafa de Absolut Vanilla desceu feito água...

 


Domingão, levemente de ressaca, a primeira compra foi uma garrafa gigante de água mineral! Depois passeio pela ótima feira de San Telmo, sorvetes, cafés. Aproveite para tomar uma Duff e descobrir o porquê da preferência de Homer!


E rumo à Recoleta. Por lá, mais sorvetes, mais café e uma pizza muuuito boa no bar chamado...

 

Ok, o desenho parece mais o Biro Biro, mas vá lá, foi um argentino que desenhou, né? Depois hotel, arrumar malas com a sensação de que o tempo foi muito curto, já planejando um retorno breve.
Encerramos a curta estada com um jantar típico de Salta, região do norte do país. O restaurante La Carretería (Av. Brasil, 656 - San Telmo) é bem rústico e descontraído mas é uma pérola da comida regional e mais verdadeira dos hermanos. Como fomos num domingo à noite, tipo umas 22hs, a rua estava meio escura e vazia, o que pode assustar alguns turistas menos aventureiros. Mas não se deixe impressionar, Buenos Aires é uma cidade super segura, principalmente se o seu modelo de comparação for o Rio ou São Paulo.

Voltando ao restaurante: mesas e cadeiras de madeira, toalhas com motivos florais "caipiras", algumas peças de artesanato típico, atendimento simpaticíssimo e iluminação amarelada e aconchegante.

Começamos com uma rodada de salteñas picantes e perfeitas. Massa fina, crocante e recheio suculento. Depois pedi um matambre com queijo. Olha, de comer rezando. Uma pena que aqui em Sampa não se encontra matambre com facilidade.



Como diria Tony Bourdain, filé mignon até cachorro sabe fazer. Quero ver fazer uma carne fibrosa como essa se transformar num prato tão saboroso, onde os nacos de carne desmancham na boca.
Pra finalizar, um potpourri de compotas caseiras com quesillo, uma espécie de requeijão do norte nosso, tudo coberto com mel silvestre e nozes.


 

A conta? R$ 15 por pessoa. Chega a ser rizível.
Você pode estar se perguntando "foi pra Buenos Aires e nem comeu carne?". Pois é, gosto do diferente mesmo.

E aproveitando que o assunto é comida, nosso vizinho tem ótimas publicações sobre gastronomia. Fiquei especialmente encantada com a Joy. Dá uma olhadinha lá no site e quando for pra BsAs, traz uma pra mim!

Crédito das Fotos: Renata Prazeres e Cris Gusmão

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Restaurante Mocotó: Tem que ir!


Semana passada tive o prazer de visitar o já muito famoso restaurante e cachaçaria Mocotó, pilotado pelo competentíssimo Rodrigo Oliveira.

Para abrir o apetite, começamos com uma cachaça paraibana deliciosa, a Serra Preta. Coisa de gente grande, muito saborosa mesmo.

Seguimos com uma porção de torresmos que, confesso, foi a melhor que provei na vida. Mas você verá essa frase outras vezes nesse relato... Ainda nos petiscos, pedimos também uma porção de linguiça flambada na cachaça com pimenta biquinho e cerveja Colorado Cauim (com mandioca na composição) para acompanhar.

O papo tá muito bom, mas vamos aos pratos principais! O Mocotó tem uma coisa super bacana que é servir os pratos em porções de diversos tamanhos (mini, pequena, média e grande). É legal porque dá pra pedir várias coisas e compartilhar.

Escolhemos a Mocofava que é uma combinação de mocotó com favada com pronunciado sabor de cominho e favas cozidas à perfeição. Seguimos com autêntico Baião de Dois e um Escondidinho de Carne Seca que, again, foi o melhor que provei na vida. Chega à mesa parecendo um soufflé e depois que você rompe a dourada crosta de queijo coalho, descobre um purê de mandioca com textura cremosa, quase uma mousseline... perfeito!

O grand finale, lógico, fica por conta das sobremesas. Primeiro um Doce de Mamão Verde feito pelo Seu José, fundador do restaurante e pai do Rodrigo. O doce é feito com rapadura e canela e chega à mesa escoltado por um generoso pedaço de queijo coalho num prato pincelado com melado de cana. Depois um Sorvete de Rapadura de comer de joelhos e um Mousse de Chocolate com Cachaça digno de alquimistas. Finalmente o Pudim de Tapioca com leite de coco, servido com calda de coco queimado. Esse doce é tão perfeito que desafia as leis da física já que não dá pra entender como um creme pode adquirir forma de pudim. Tenho sonhado diariamente com ele desde então.

As sobremesas foram degustadas acompanhadas por uma Colorado Demoiselle, perfeita para isso.

Tudo isso na deliciosa companhia do querido mestre Davi Goldmann e do agradabilíssimo colega Rubens (sorry, não sei o sobrenome mesmo ele tendo sido responsável indireto pela minha mudança de profissão).

O grande chef Rodrigo nos deu a honra da sua presença em nossa mesa e ainda nos presenteou com duas barras de rapadura, uma de Minas Gerais e outra de Pernambuco.

Não vejo a hora de voltar lá pra experimentar novas delícias!

Saiba tudo sobre o Mocotó no site deles e vá. Vá hoje mesmo se puder!
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