Onde comer em Lima, Peru - Astrid y Gastón Casa Moreyra

Senta que lá vem estória e o post é longo...

Eu adoro menus degustação.

Como bem disse minha amiga querida Luciana Betenson, gêmea de aniversário, companheira de quarto nessa viagem para o Peru, talentosa escritora do blog Rosmarino e Outros Temperos, com quem já compartilhei outras degustações:


"Como as crianças gostam da Disney World, eu gosto de degustações."


Esse formato de refeição tem um propósito que vai muito além de simplesmente alimentar. Eles contam histórias, proporcionam experiências únicas, revelam ingredientes desconhecidos e raros e, via de regra, é onde o chef mostra sua face mais autoral.

Estando em Lima, tínhamos duas opções renomadas para escolher: o Central do chef Virgílio Martinez e o Astrid y Gastón de Gastón Acurio. Ambos revezando-se na posição de melhor restaurante da América Latina segundo o ranking da revista inglesa Restaurant Magazine.

Escolhemos o AyG, ocupante da 18ª posição no ranking mundial da mesma publicação, por motivos de: as amigas que já haviam comido nos dois estabelecimentos gostaram mais deste.

Foto: Astrid y Gastón

Após 20 anos fixado no mesmo endereço, Gastón Acurio mudou seu principal e mais aclamado restaurante para novo local: a Casa Moreyra.

O prédio, declarado Monumento Histórico em 1972, tem suas raízes na própria fundação de Lima. Vale a pena saber mais sobre ele aqui.

A propriedade conta com o restaurante propriamente dito, um espaço exclusivo para eventos, uma grande e diversificada horta e um enorme pátio onde acontecem atividades educativas e culturais abertas à população em geral.

Foto: Astrid y Gastón
Sob a batuta do chef Diego Muñoz, os pratos do menu degustação saem de uma cozinha exclusiva para este fim. 

A sala onde fomos acomodadas contava com três mesas, um pé direito altíssimo e quase nada mais. O ambiente pode até ser adjetivado como impessoal mas justifica-se: busca-se aqui foco total na comida que será servida, sem distrações. Nem me lembro de ter sequer ouvido música ambiente antes do final da pantagruélica noite.

Sentamos 6 numa mesa e 4 na outra. A terceira mesa foi ocupada pelos chefs Thiago e Felipe Castanho, gênios da cozinha amazônica sobre quem já falei aqui e em breve contarei mais. A feliz coincidência se deu por conta da efervescência de chefs latinos que tomava conta da cidade por causa da entrega do prêmio que mencionei acima, o Latin America's 50 Best. Os irmãos Castanho estrearam na lista com seu restaurante Remanso do Bosque em 34º lugar. Esperem uma escalada rápida ao topo dessa lista. Thiago faz a melhor cozinha brasileira que já provei e jovem como é, o talento demonstrado até o momento é apenas a ponta do iceberg.

Vamos logo ao que interessa! A Comida!!!

O menu, chamado de "Memorias de Mi Tierra" começa com o drink "Brindemos como naqueles tempos", feito a base de guinda de Huaura, uma espécie de uva andina, acompanhado por um pequeno sanduíche.

A degustação é dividida em temas ou etapas. A primeira delas chamada de "guloseimas na saída da escola", busca exatamente essa memória: gordices que as crianças comiam na saída do colégio.

Chega à mesa uma lata vermelha e branca, linda de morrer (sou fa-ná-ti-ca por latas e latinhas, coleciono inclusive), e dentro dela diversas "guloseimas": sorvete de lúcuma com chocolate e castanhas, camotitos (batata doce e pele de frango), galletas (bolachas de lagostins e amendoim). 

Representando os barcos pesqueiros que se avistava no litoral, pequenos e crocantes canudos de massa muito fina para serem recheados com um saboroso creme de iogurte com limão, morango, manjericão e pimenta rocoto. Por fim, mini merengues recheados de azeitonas e anchova. Na minha humilde opinião, uma bola fora.

Eu adoro a mistura de doce com salgado. Mas neste caso, o salgado não foi suficiente para criar um contraste agradável ou minimamente interessante. Como disse a amiga que compartilhava a mesa, faltou coragem. Coragem de carregar a mão na azeitona e na anchova o suficiente para surpreender.


A etapa seguinte tem o nome de "memórias do lar", onde o menino se recorda do jardim de nêsperas na primavera, da insistência de sua mãe dizendo que bucho e pé também é comida de criança e dos conselhos da avó em forma de plátanos fritos.

Essas memórias traduziram-se em um intragável suco de nêspera servido num cubo de gelo (foi o único prato que não consegui comer), um crocante de pé de leitão e um finíssimo, etéreo e delicioso crepe de grão de bico com aspargos brancos e caviar.


Chamado de "um verão na praia", o primeiro prato que realmente emocionou era uma raspadinha composta de gelo vegetal, xaropes, frutas e ervas da própria horta do restaurante. As texturas e sabores revelando-se aos poucos, a acidez muito equilibrada, uma nota de beterraba, um picante de rabanete... Divino!


A etapa "produtos que se vão" trouxe alento. Resgatando produtos quase esquecidos pelos peruanos, lâminas de palta (uma espécie de abacate) com gergelim branco, cebola chinesa e limão confitado. Aqui um gringo consegue reconhecer os sabores tipicamente locais, com a untuosidade da palta perfeitamente equilibrada pela acidez do limão e o torrado do gergelim.

Outro favorito foi o "ceviche" de maçã Delícia (espécie em desuso) com leite de tigre de rocoto e ovas de ouriço. Teve gente na minha mesa que não gostou, mas eu vi genialidade aqui. A maçã Delícia é bem ácida e o corte em fita parece amplificar essa sensação, as ovas são salgadas e cremosas e o leite de tigre... ah, o leite de tigre... sublime!

Por fim, um caldo picante de moluscos bivalves com uma falsa macha de pacae, almeja rosada do Pacífico que já não existe mais...



Chegamos às "receitas que se vão" e elas lembram um tempo em que peixeiros passavam nas casas gritando "Pescado! Pescado fresco!". E recebemos em um lindo prato de pedra que lembra um almofariz as caudas e essência de camarão banhados num caldo de cebolas caramelizadas.

Repetindo as cebolas, o prato seguinte traz também um azeite de escabeche defumado com tomates e pimenta.

E aí aquele menino que a essa altura já é um adulto, sente saudade de casa. A etapa "voltar à casa" apresenta o prato "homenagem a um purê de batata amarela com ovo frito". E finalmente tivemos uma unanimidade. A foto deveria prescindir de palavras mas não resisto, tenho que descrever o que você está vendo: creme de batatas Chaulina, caldo de polvo com tomate e porcini, ovos de codorna, pó de tomate e espinafre. Traduzindo: uma bomba atômica de umami! Uma das melhores coisas que já comi na vida! Só agradeço esse menino por querer voltar pra casa!!

As "nostalgias regionais" pretendem representar um pouco de enorme riqueza gastronômica regional do Peru que assim como no Brasil, apresenta muitas variações por conta da diversidade geográfica de suas regiões.

Mais um na minha lista de favoritos, o prato que leva língua de boi e batatas nativas só pecou pelo tamanho minúsculo. Foram 2 pedacinhos da melhor língua do mundo, cortada em allumette. Comeria mais uns vinte =)

Depois um lombo de coelho muito saboroso e seguindo, um peito de boi com caldo de costela que perdeu um pouco da harmonia por conta das sementes germinadas que, na minha opinião, não ornaram com o sabor da carne.

As primeiras sobremesas chegam mais uma vez pelas memórias do menino que recorda suas travessuras em "travessuras de menino". Plátano de la Isla com caramelo de especiarias e pisco, queijo Paria, rúcula e pimenta do reino. Bomba de romã (com uma nostálgica pitada de popping candy, aquele açúcar que explode na boca). Morango banhado em leite condensado e coberto de confeitos dourados (levou o prêmio vergonha alheia da noite). O mais saboroso foi uma homenagem aos típicos arroz con leche e mazamorra morada: canudo de massa bem fina recheado de arroz doce e xarope de milho roxo.

O menino (que a essa altura já tinha conquistado a implicância de todas nós) chega com sua "doce memória" em mais dois pratos. Blanquillos (damasco de casca e polpa brancas) cozido com camomila, biscoito de amêndoas e gelado de noz de blanquillo.

Depois, a sobremesa que causou o maior acesso de riso dos últimos tempos, o King Kong. O king kong é um docinho super típico, encontrado em todo lugar. É um biscoito recheado com creme e geleia de fruta. O motivo do acesso de riso ainda não sei ao certo. Bebida não foi com certeza. Optamos pela harmonização (maridaje) sugerida pela casa e apesar da grande variedade de bebidas, nenhuma taça foi servida com mais de um dedo (na horizontal). Talvez tenha sido o fato de já estarmos há mais de 4 horas ouvindo as estórias do niño. A verdade é que, ao ver o algodão doce acinzentado pensei (e verbalizei) imediatamente naquelas bolas de pelo que os gatos cospem. Alguém disse que essa "areia" preta lembrava diarréia de pombo. Aí não teve jeito... Foram cinco minutos rindo a ponto de perder o fôlego.



Ainda teve o "sabor perdido": um chocolatinho com amendoim (meia boca) e uma cocadinha (gostosa) e eu já nem tinha mais ânimo pra fotografar.

Mas a refeição terminou com uma deliciosa e providencial surpresa: o emoliente. O emoliente é uma bebida bem típica, de consistência levemente gelatinosa, consumida como digestivo. A versão servida era composta de duas fases, uma quente e a outra gelada. Muito, muito gostoso e acho mesmo que ajudou na digestão.

Na foto você vê Juan, nosso atendente da noite que com seu entusiasmo tornou menos enfadonhas as quase 5 horas que ficamos por lá.

Você (se chegou até aqui) deve estar se perguntando quanto custou essa brincadeira. US$ 250 com a harmonização de bebidas.

Se pensar em termos globais, é até um valor bem razoável. Mas eu não acho que valeu. Eu achei que sobrou ego e faltou comida de verdade. Preferiria que tivesse metade dos 27 pratos servidos mas que as porções fossem um pouco maiores. Muitos pratos foram desnecessários. A impressão final que ficou foi exatamente essa: excesso de ego, o que é quase uma redundância.

O lugar é belíssimo, as louças são maravilhosas, o atendimento do Juan foi impecável e cheio de energia (já o sommelier espanhol sofre do mesmo mal do chef: muito ego).

Eu até pretendo voltar. Para experimentar o à la carte. O menu degustação eu não recomendo. Muito menos com a harmonização. Mas teve gente que gostou. Se você não precisar escolher entre o AyG e o Central, sugiro que vá aos dois e tire suas próprias conclusões. Aproveite e mande besos ao niño! :)

Vai lá:

Astrid y Gastón - Casa Moreyra
Av. Paz Soldán, 290
San Isidro - Lima
+511 442.2775

3 comentários:

  1. Eu ri muuuito :-D
    Adorei Ana, perfeita tradução do que foi nossa experiência no AyG. Assino embaixo, só voltaria pelo menu a la carte. Beijos!

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    1. Vou te falar uma coisa, Lu: eu pagaria com gosto $250 pra ter outra crise de riso com aquela! Foi demais!! Beijo!

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  2. :-) E obrigada pelo carinho! Você também é amiga mais que querida :-D

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